A Onça e a Diferença

O.E.D. 1825 Coleridge Aids Refl. 199 The base of Symbols and symbolical expressions; the nature of which as always tautegorical (i.e. expressing the same subject but with a difference) in contra-distinction from metaphors and similitudes, that are always allegorical (i.e. expressing a different subject but with a resemblance). Esta idéia de “same subject with a difference” é uma perfeita definição do perspectivismo.

Recusar-se a pôr a questão em termos de crença parece-me um traço crucial da decisão antropológica. Para marcá-lo, reevoquemos o Outrem deleuziano. Outrem é a expressão de um mundo possível; mas este mundo deve sempre, no curso usual das interações sociais, ser atualizado por um Eu: a implicação do possível em outrem é explicada por mim. Isto significa que o possível passa por um processo de verificação, que dissipa entropicamente sua estrutura. Quando desenvolvo o mundo exprimido por outrem, é para validá-lo como real e ingressar nele, ou então para desmenti-lo como irreal: a ‘explicação’ introduz, assim, o elemento da crença. Descrevendo tal processo, Deleuze indicava a condição-limite que lhe permitiu a determinação do conceito de Outrem:

[E]ssas relações de desenvolvimento, que formam tanto nossas comunidades como nossas constestações com outrem, dissolvem sua estrutura, e a reduzem, em um caso, ao estado de objeto, e, no outro, ao estado de sujeito. Eis por que, para apreender outrem como tal, sentimo-nos no direito de exigir condições especiais de experiência, por mais artificiais que fossem elas: o momento em que o exprimido ainda não possui (para nós) existência fora do que o exprime — Outrem como expressão de um mundo possível (1969a: 335).


E concluía recordando uma máxima fundamental de sua reflexão:

A regra que invocávamos anteriormente: não se explicar demais, significava antes de tudo não se explicar demais com outrem, não explicar outrem demais, manter seus valores implícitos, multiplicar nosso mundo povoando-o de todos esses exprimidos que não existem fora de suas expressões (ibid.)

A lição pode ser aproveitada pela antropologia. Manter os valores de outrem implícitos não significa celebrar algum mistério transcendente que eles encerrem; significa a recusa de atualizar os possíveis expressos pelo pensamento indígena, a deliberação de guardá-los indefinidamente como possíveis — nem desrealizando-os como fantasias dos outros, nem fantasiando-os como atuais para nós. A experiência antropológica, nesse caso, depende da interiorização formal das “condições especiais e artificiais” de que fala Deleuze: o momento em que o mundo de outrem não existe fora de sua expressão transforma-se em uma condição eterna, isto é, interna à relação antropológica, que realiza esse possível como virtual. Se há algo que cabe de direito à antropologia, não é a tarefa de explicar o mundo de outrem, mas a de multiplicar nosso mundo, “povoando-o de todos esses exprimidos que não existem fora de suas expressões”. Pois não podemos pensar como os índios; podemos, no máximo, pensar com eles. E a propósito — tentando só por um momento pensar ‘como eles’ —, se há uma mensagem clara do perspectivismo indígena, é justamente a de que não se deve jamais tentar atualizar o mundo tal como exprimido nos olhos alheios.